Tabagismo e Ascite: Relações e Implicações Clínicas
- Rudney Nicacio

- 27 de out.
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O tabagismo é uma das principais causas evitáveis de doenças crônicas e morte prematura no mundo. Seus efeitos deletérios atingem praticamente todos os sistemas do corpo humano, incluindo o respiratório, cardiovascular, gastrointestinal e hepático. A ascite, por sua vez, é uma manifestação clínica caracterizada pelo acúmulo anormal de líquido na cavidade peritoneal, geralmente associada à hipertensão portal e à disfunção hepática. Embora, à primeira vista, o tabagismo e a ascite possam parecer condições distintas, há múltiplas conexões fisiopatológicas entre elas, principalmente por meio dos efeitos do cigarro sobre o fígado, a circulação e os mecanismos inflamatórios.
Tabagismo: mecanismos de dano sistêmico
O cigarro contém mais de 7.000 substâncias químicas, entre elas nicotina, monóxido de carbono, aldeídos, metais pesados e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. Essas substâncias exercem ação tóxica direta sobre as células e favorecem processos inflamatórios e oxidativos.Alguns efeitos importantes incluem:
Vasoconstrição e hipóxia tecidual: a nicotina estimula a liberação de catecolaminas, reduzindo o fluxo sanguíneo em diversos órgãos.
Estresse oxidativo: o aumento de radicais livres danifica membranas celulares e proteínas, levando à apoptose e fibrose.
Inflamação crônica: a ativação contínua do sistema imune contribui para disfunção endotelial e fibrogênese.
Comprometimento hepático: substâncias tóxicas do tabaco passam pelo fígado, que é o principal órgão de detoxificação, sobrecarregando-o metabolicamente.
Ascite: causas e fisiopatologia
A ascite é mais comumente associada à cirrose hepática, mas também pode ocorrer por insuficiência cardíaca, neoplasias abdominais, tuberculose peritoneal ou síndrome nefrótica. No caso da cirrose, o acúmulo de líquido decorre de uma combinação de fatores:
Hipertensão portal – aumento da pressão no sistema venoso portal devido à fibrose hepática.
Hipoalbuminemia – o fígado doente produz menos albumina, reduzindo a pressão oncótica plasmática.
Retenção de sódio e água – ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e liberação de vasopressina.
Vasodilatação esplâncnica – redistribuição do volume sanguíneo e queda do volume efetivo circulante.
Esses mecanismos, somados, levam ao extravasamento de líquido para o espaço peritoneal.
Relação entre tabagismo e ascite
Tabagismo e lesão hepática
O tabagismo agrava a fibrose hepática por meio da indução de inflamação crônica, aumento do estresse oxidativo e ativação das células estreladas do fígado — principais responsáveis pela deposição de colágeno. Estudos demonstram que fumantes com hepatite viral, esteato-hepatite alcoólica ou não alcoólica têm maior risco de evolução para cirrose e ascite. Além disso, o cigarro potencializa os efeitos hepatotóxicos de outras substâncias (como o álcool e medicamentos), acelerando a deterioração funcional do fígado.
Tabagismo e circulação portal
A nicotina e outros componentes do cigarro causam vasoconstrição e aumentam a resistência vascular intra-hepática, contribuindo para o desenvolvimento de hipertensão portal. Essa elevação da pressão venosa é o principal fator desencadeante da ascite em pacientes cirróticos.
Tabagismo e câncer hepático
O cigarro é também um fator de risco independente para o carcinoma hepatocelular (CHC), especialmente em indivíduos com doença hepática crônica pré-existente. Pacientes com CHC frequentemente desenvolvem ascite maligna, que se diferencia da ascite cirrótica por conter células neoplásicas e ter pior prognóstico.
Efeitos indiretos
O tabagismo pode ainda prejudicar a resposta imune, reduzir o apetite e aumentar o estresse oxidativo sistêmico, o que agrava o estado nutricional e a capacidade de regeneração hepática. Esses fatores contribuem indiretamente para o agravamento da ascite e de suas complicações, como a peritonite bacteriana espontânea e a síndrome hepatorrenal.
Implicações clínicas e prognósticas
O tabagismo, em pacientes com ascite, está associado a:
Maior mortalidade e menor resposta a terapias diuréticas;
Maior risco de carcinoma hepatocelular;
Piora da função hepática e renal;
Aumento da incidência de infecções;
Diminuição da qualidade de vida e da sobrevida global.
A cessação do tabagismo é, portanto, uma medida essencial não apenas para prevenir doenças pulmonares e cardiovasculares, mas também para melhorar o prognóstico de doenças hepáticas e reduzir a recorrência da ascite.
Conclusão
O tabagismo é um fator de risco relevante e frequentemente subestimado nas doenças hepáticas que evoluem com ascite. Seus efeitos tóxicos sobre o fígado, a microcirculação e o sistema imune contribuem para o desenvolvimento e agravamento da hipertensão portal e da retenção de líquidos.A interrupção do hábito de fumar deve ser parte fundamental do manejo clínico de pacientes com ascite, associada à restrição de sódio, uso criterioso de diuréticos e tratamento da doença de base.
Assim, compreender a relação entre tabagismo e ascite não apenas amplia a visão do impacto sistêmico do cigarro, mas também reforça a importância das medidas preventivas e da promoção de hábitos de vida saudáveis no cuidado integral à saúde hepática.




